Temos uma boa e uma má notícia para nossos educadores.
A boa notícia é a imensa janela de oportunidade que se abre para que realizemos uma grande transformação na Escola. Isso porque os alunos de hoje chegam aos bancos escolares suplicando e ensejando essa mudança. Ou seja há uma positiva e saudável conspiração para mudar.
A má notícia é que, definitivamente, a Escola não está cumprindo seu papel. Perde cada vez mais significado e relevância ao não atender seus propósitos, colocando em xeque sua própria existência. E isso é grave.
Hoje temos um
abismo entre o que a escola oferece e o que nossos alunos demandam. Um fosso que se amplia a cada dia. Os educadores -- aqueles em posição de direção e decisão -- estão acostumados ao mundo cartesiano de métodos previsíveis e planejamentos herméticos. Eles tendem ser avesso às mudanças. E os professores por sua vez, são exigidos no sentido da sistematização do ensino, tornando-o repetitivo, expositivo e enfadonho.
Percebemos pelo lado dos alunos, altas expectativas. Eles fazem parte da geração Nativos Digitais -- aquela 'molecada' que nasceu banhada em bits. Eles são interessados, auto motivados, rápidos, fáceis de engajar, compromissados e prontos a operar em grupo -- quer colaborando quer aprendendo com seus pares.
Diferentemente do que sempre vimos, esses alunos trazem consigo hoje, a convicção e a motivação para o aprendizado. Através das interfaces digitais, eles se vêem acostumados com o conceito da chave da auto descoberta. São reforçados nesse comportamento pela imediata ampliação de horizontes, que por sua vez os leva a novos patamares. Quase tudo no seu cotidiano assemelha-se a um game -- são obrigados a tentar, a se esmerar diante de desafios, a serem rápidos, a decidirem diante de múltiplas possibilidades, a improvisar e construir o caminho ao longo da jornada -- e ao final serem premiados por seus esforços. E a nunca desistir! Se necessário, começar tudo de novo.
Semelhantemente, quando navegam na internet, assimilam novidades, memorizam links, ensaiam movimentos diferentes, e pacientemente desmontam códigos aparentemente nebulosos. Não se trata de uma minoria de gênios ou de algumas crianças -- entre as muitas -- com personalidade introspectiva que passam o dia enfurnados na tela do computador. É na verdade a maioria -- se não todos!
Uma grande maioria acostumada com as aventuras deste novo e admirável mundo da dimensão digital.
Segundo o
censo brasileiro de 2005, mais da metade da população tem idade abaixo dos 25 anos. No entanto, a escola de sempre -- a que conhecemos hoje: aquela escola antiga -- não está preparada para o que esses jovens e crianças definem para si como importante. Não tanto em termos de conteúdo ou de carga curricular – mas de métodos, abordagem e interatividade. Eles demandam uma nova linguagem. Não se trata de planejamento, mas sim de agenda!
Eles estão conectados em rede, se vinculam com amigos -- e com os amigos de amigos. Buscam de maneira natural comunidades de interesses com temas que lhe chamam a atenção. Não se limitam ao uso de um só computador. E lançam mão de diferentes terminais e pontos de acesso, tornando impossível o exercício de qualquer tipo de controle ou dominação por pais ou vigias.
Tudo isso redunda em comportamentos e hábitos singulares. Para os mais velhos, são ações estranhas e procedimentos incompreensíveis.
Nisbett e outros asseveram que o cérebro das crianças que nasceram debaixo da égide digital assimilando-a espontaneamente no seu cotidiano, têm a plasticidade de seus cérebros alterada para melhor.
São os nativos digitais que pesquisam e aprendem por conta própria ou auxiliados por seus pares. Trabalham com facilidade diante de hiper textos e multivariados links. Realizam um tipo de processamento paralelo. Essas e outras novas e surpreendentes características tornam os jovens e as crianças um fantástico ser digital!
Já os mais velhos -- por costume e tradição -- se enquadram dentro de diferentes paradigmas de cognição. Apresentam um processo mental próprio, limitado em certo sentido por demandar foco e ter característica linear. Mas nem por isso inferior ou superior. Tão somente diferente!
E é exatamente por isso que nossos professores têm tanta dificuldade, não só em entender o aluno, mas também em aceitar como normal o seu modo de agir. E em função desse distanciamento, trazem um bloqueio profundo na hora de estabelecer um rapport básico com seus alunos.
Estudos têm definido a necessidade de rapport para uma comunicação eficiente dentro do processo de interação. Tirado da língua francesa, esse termo quer dizer ‘enfileirar-se’, e define o momento de identificação entre emissor e receptor em seus papéis informais. Quando há síntese nos papéis formais e informais, professor e aluno podem gerar uma sensível melhora no processo de interação. Está comprovado que quando se tem uma base informal em comum, cria-se um ambiente de segurança que transcende os papeis originais.
Ao se mostrar como de outro planeta (efetivamente de outra época), os professores ampliam esse fosso que os separa de seus alunos. Sem preparo para a necessária contextualização, seus esforços são contraproducentes, com o risco de fazer essa desmotivação entre os alunos virar um estresse radical. Estes por sua vez, igualmente se distanciam, rebelando-se diante de um processo que, literalmente os aterroriza.
Há neste quadro um duplo vazio. Primeiro como assevera
Marc Prensky, criador de games e pensador para a educação: “Nossos alunos mudaram radicalmente. Os alunos de hoje não são as mesmas pessoas para as quais o sistema educacional foi criado para ensinar.” Isso é uma ausência de encaixe, criando um vácuo de propósito e missão. As escolas diariamente estão debaixo, do que poderíamos chamar, de a síndrome de Vampeta: as escolas fingem que ensinam e os alunos fingem que aprendem.
Em segundo lugar não se tem dado o devido cuidado para se debruçar sobre a questão. Essa postura de negação da realidade revela uma forte irresponsabilidade não só dos educadores, mas de toda a sociedade! Antes de ser um problema eminentemente local ou brasileiro, é um desafio global que não enxerga fronteiras. Mesmo assim, não é justificável que permaneçamos feito avestruz.
Mas há um lado promissor. Vários fatores conspiram para uma transformação profunda. Uma verdadeira metanoia*! Precisamos, no entanto agir -- e agir rápido.
A convocação da sociedade para o debate é tão somente o ponto de partida. Há muito a se fazer. Mas como toda grande jornada, deve começar com os primeiros passos.
*
Metanoia – Derivada do grego, tem pelo menos quatro significados: arrependimento (utilizado no contexto religioso), conversão (espiritual ou intelectual), mudança de mente ou de direção (no sentido individual) e transformação da organização (como uma disciplina -- apregoado por
Peter Senge). Este último tipo, descreve uma radical mudança da instituição.